segunda-feira, 2 de maio de 2011

Deixar de falar de si para falar como se fosse o outro...

"Pensava que escrevia por timidez, por não saber falar, pelas dificuldades de encarar a verdade enquanto ardia, arvorava, arfava. Há muitos que ainda acreditam que começaram a escrever pela covardia de abrir a boca. Nas cartas de amor, por exemplo, eu me declarava para quem gostava pelo papel, e não pela pele, ainda que o caderno seja pele de um figo. O figo, assim como a literatura, é descascado com as unhas, dispensando facas e canivetes. Não sei descascar laranjas e alhos com as unhas, e sim com os dentes. Com as mãos, sei descascar a boca do figo e o figo da boca, mais nada. Acreditei mesmo que escrever era uma fuga, pedra ignorada, silêncio espalhado, um subterfúgio, que não estava assumindo uma atitude e buscava me esconder, me retrair, me diminuir. Mas não. Escrever é queimar o papel de qualquer forma. Desde o princípio, foi a maior coragem, nunca uma desistência, nunca um recuo, e sim avanço e aceitação. Deixar de falar de si para falar como se fosse o outro. Deixar a solidão da voz para fazer letra acompanhada, emendada, uma dependendo da próxima garfada para alongar a respiração. Baixa-se o rosto para levantar o verbo. É necessário mais coragem para escrever do que falar, porque a escrita não depende só de ti. Nasce no momento em que será lida."

Fabrício Carpinejar

4 comentários:

  1. Acho o máximo todo o texto de Fabrício Carpinejar e principalmente a frase: "É necessário mais coragem para escrever do que falar..."
    Antes de transformar as ideias em texto é preciso ter a ousadia de assumi-las como carne, como parte do próprio ser e maior ainda é a coragem de uni-las ao sentir daqueles que nelas procuram pontos de conexão...

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  2. Quanto mais se vive mais se compreende a força dessa afirmação de Gabriel García Márquez, que é prólogo do seu livro "Vivir para contarla". Com os meus quase 60 anos me atrevo a dizer que ela é irretocável!

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  3. Olá querida amiga Cynthia,
    muito bacana sua iniciativa, meus parabéns a você!!!
    Um grande abraço,
    Adriano e família.

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  4. Cynthia,
    Eu li o seu livro tão rápido que eu mesma não acreditei. Acho que por vários motivos: corujice de mãe, orgulho, curiosidade, ansiedade para saber o desenrolar da história, etc.. Ele me prendeu mesmo.
    O mais interessante para mim foi que você criou uma personagem e teceu a história da vida dela com alguns fatos reais, que eu sei que aconteceram com outras pessoas e, nem assim, eu conseguia adivinhar o que ia acontecer. Bem que tentava, mas errava sempre. Fui surpreendida com o desfecho da história e para melhor!
    Parabéns pelo livro e pela determinação em escrevê-lo, pois eu sei como foi difícil arranjar um tempo para isso.

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